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Lisboa, cidade partilhada

Intervenção de Ricardo Robles

(candidato do Bloco de Esquerda à presidência da Câmara de Lisboa)

Ao longo desta conferência discutimos ideias e propostas claras para os programas autárquicos que vão conduzir as listas do Bloco de Esquerda no próximo outono. Agora, vem outra fase decisiva desse trabalho: mostrar as equipas, lembrar o que já fizeram nas autarquias, demonstrar o que podem e querem fazer pelas suas cidades. É dessa campanha em Lisboa que vos venho falar.

Em Lisboa, o Bloco assumiu a liderança da oposição num mandato em que a direita se eclipsou e bem percebemos o porquê. Os promotores da crise social, da pobreza e do desemprego, da privatização dos transportes, ficaram sem alternativas, encurralados e reféns do seu cadastro. O PSD e o CDS querem trazer para esta campanha a saudade do governo da troika. Só lhes podemos agradecer que nos lembrem nestas eleições por que é que Lisboa não quer a direita na Praça do Município. O situacionismo do passado, PSD e CDS, vem a estas eleições insistir na concessão da Carris e Metro a privados, nos negócios das suas famílias políticas, na perseguição aos idosos, no desdém pelos jovens, no convite à emigração.

Mas o Bloco foi oposição porque o Partido Socialista governou Lisboa com poder a mais e esquerda a menos, com muito fechamento e pouco foco no interesse público - e nunca deixamos de apresentar alternativas concretas a um situacionismo atual que adia a cidade. Denunciamos negócios imobiliários abusivos e recusamos a cidade desenhada pela especulação.

Rejeitamos o deslumbramento pela monocultura do turismo quando boa parte da cidade permanece esquecida. Condenamos a falta de iniciativa na defesa dos transportes públicos que estão à beira do colapso. Sublinhamos a expulsão de quem habita Lisboa e os que vão desistindo de um dia aqui morar. Criticamos o abuso sobre os trabalhadores municipais e o regime de precariedade na Câmara e nas freguesias.

Foram estes os combates que travámos e é por eles que aqui estamos.

Esta candidatura do Bloco quer tratar do que é essencial para os lisboetas

O essencial é a cidade proibida para quem cá quer viver. A ex-ministra Assunção Cristas, agora candidata, inventou uma lei dos despejos que ameaçou os mais pobres e os mais velhos, e atirou muitos para a periferia. O Bloco fez sessões públicas abertas com muitas pessoas aterrorizadas pelas cartas de despejo que recebiam e nos perguntavam o que deveriam responder. Conhecemos bem a lei dos despejos da candidata do CDS e se Assunção Cristas ainda não percebeu, eu digo-lhe: Lisboa não pode ser uma caixa registadora.

O essencial é por isso melhorar a habitação, sabendo que o seu preço aumentou 22% nos últimos 3 anos em resultado das escolhas feitas numa cidade pensada para os especuladores e para o turismo. Quem procura hoje uma casa em Lisboa sabe que tem uma missão impossível pela frente.

Mas sobretudo conhecemos a incapacidade de resposta da Câmara Municipal de Lisboa, que anunciou com pompa e circunstância um programa de rendas convencionadas e depois disponibilizou 10 apartamentos para 844 concorrentes. Conhecendo a dimensão do problema, percebe-se que o PS não tem estratégia para responder. É como tentar salvar o Titanic com uma colher de chá.

E quando ouvimos Fernando Medina anunciar 5000 fogos para a classe média, sabemos do que fala. Fala de uma parceria público privado que só existirá se ao privado forem dadas as benesses que só as PPP garantem: rendimento garantido à custa dos nossos impostos. Uma PPP em que o município dá os terrenos, os privados constroem ou reabilitam e ficam com os prédios durante 30, 40 ou 50 anos. Ora, há uma diferença entre o rendimento garantido para os empresários da construção e a vida garantida para quem mora na nossa cidade.

O essencial é o drama da habitação municipal. Milhares de candidaturas, renovadas todos os anos, terminam em infindáveis listas de espera que resultam em nada. Ou terminam apenas em desespero por um direito fundamental: habitação.

Conhecemos a Carla com 35 anos, solteira e com dois menores a cargo, a quem a Polícia Municipal colou na porta um aviso para abandonar a casa no prazo de três dias sob ameaça de pena até um ano de prisão.

A mesma mulher que nos mostra no seu prédio os vários apartamentos devolutos e lacrados pela Câmara Municipal de Lisboa. E quando confrontamos o executivo com estes casos dizem-nos que a responsabilidade é de outra instituição, a Segurança Social. Pois é: mas é a Câmara que tem de abrir as portas para a solução com a habitação social.

Investir fortemente nos bairros municipais

É por isso que é prioritário resolver a emergência da habitação. Investir fortemente nos bairros municipais - esses mesmos, onde o turismo não passa e os seus ganhos não chegam - requalificando-os e dando dignidade a quem neles vive.

É preciso reabilitá-los garantindo condições de habitabilidade mas também investir na sua reconversão energética para maior eficiência e conforto.

No mesmo sentido, precisamos de parar a venda de património municipal e utilizar esses prédios para oferecer alternativas de habitação. Criar uma bolsa de arrendamento a preços controlados que permita condicionar as rendas em Lisboa e garantir o direito a quem quer viver na cidade. E invertendo a lógica da alienação, o município deve investir e exercer o direito de preferência sempre que se justificar. Implementar uma quota de fogos a custos acessíveis em todas as operações de reabilitação e construção nova, que permita alimentar também a bolsa de arrendamento

O património da cidade a servir as pessoas e não os interesses.

Não aceitamos e não desistimos. Uma cidade que não responde pelo direito à habitação é uma cidade falhada.

O essencial são também os transportes. Falamos de uma cidade que se torna inacessível para a maioria da população. Em que o abuso do automóvel bloqueia a mobilidade e corrói o ambiente. Nos últimos 3 anos passaram a entrar em Lisboa mais 15 mil carros por dia. Numa cidade com 500 mil habitantes, entram 400 mil carros todos os dias. É mais tempo perdido, mais horas no trânsito e sobretudo uma cidade mais irrespirável, tudo por falta de transportes colectivos de qualidade. São carros a mais. São sardinha em lata nas linhas do Metro. São carreiras eliminadas nas linhas que serviam quem sai à noite ou quem trabalha fora de horas.

Essencial é a prioridade nos transportes

O desmantelamento das empresas de transportes para as privatizar cortou na manutenção pondo em causa a segurança dos passageiros e despediu trabalhadores que tanta falta fazem nestes serviços. Conhecemos a eliminação de carruagens do Metro porque nas oficinas não existem peças para a manutenção. Conhecemos os despedimentos, 735 na Carris e 305 no Metro, que, desde 2010, tornam estas empresas mais frágeis e com menos capacidade de resposta. E por isso percebemos porque se perderam 60 milhões de passageiros nestes últimos anos. Os transportes públicos deixaram de ser uma alternativa credível e o seu fracasso torna a cidade mais exclusiva.

Essencial é essa prioridade nos transportes. Há tanto por fazer para que a cidade se ligue e se movimente. Novas carreiras, novas linhas de elétrico, melhores equipamentos, mais trabalhadores para garantirem a operação e a manutenção. Transportes que funcionem e que se transformem na melhor alternativa para quem quer andar na cidade. Mas só conquistamos os passageiros perdidos com tarifas mais baixas e alargamento da gratuitidade aos jovens e desempregados. Melhores transportes, melhor ambiente, melhor cidade.

Urbanismo da especulação é contra a cidade partilhada com todos

O essencial é que o urbanismo da especulação é contra a cidade partilhada com todos. Divergimos do PS numa questão central quando nos opusemos à revisão do Plano Diretor Municipal e mostramos que era um instrumento para promover os negócios imobiliários à custa dos lisboetas. E este mandato confirmou tudo aquilo que prevíamos. Este plano foi pensado em função dos interesses dos especuladores em oposição às necessidades dos cidadãos.

O Bloco denunciou por isso os principais negócios que são escândalos em Lisboa. Como o da torre de escritórios no centro da cidade que foi construída fora do lote de terreno, em zona pública. Foi o Bloco que denunciou esse escândalo da Torre de Picoas. A Câmara Municipal admitiu o abuso e o que fez? Legalizou a ilegalidade.

Ou o plano de pormenor feito à medida para que um hospital privado do grupo Espírito Santo pudesse expandir-se para o terreno onde, poucos anos antes, foi instalado um moderno quartel de bombeiros municipais, numa hasta pública com um só concorrente e arrematada um euro acima da base de licitação. O mesmo procedimento para o hospital privado do grupo Mello em Alcântara, que obrigou os serviços municipais a mudar de instalações, também numa hasta pública arrematada por um euro acima do valor base.

Em Lisboa, um euro dos promotores imobiliários vale muito, mas para os lisboetas só vale dissabores. O mesmo problema com a revisão do Plano Urbanização da Avenida da Liberdade, para alterar o uso de vários edifícios históricos que fazem salivar os investidores imobiliários. O valor de troca sobrepôs-se ao valor de uso. O PS tem olhado para a cidade e também só vê uma caixa registadora.

Essencial é falar do turismo

O essencial é falar do turismo. Sabemos do que falamos quando dizemos que o turismo é fundamental para a cidade e que, por isso mesmo, são precisas regras. Queremos receber quem nos visita numa cidade onde também queremos viver. A hospitalidade e a economia da cidade não podem ser colonizados pelo deslumbramento pela monocultura do turismo que é a marca deste executivo. Fernando Medina disse-o com todas as letras: “não sei o que é turismo a mais”. Pois quem quer viver na cidade e não pode, sabe bem o que significa esta pressão. Nos últimos dois anos, Fernando Medina autorizou a abertura de 20 novos hotéis na Baixa de Lisboa. Um novo hotel de 3 em 3 semanas. Esta pressão hoteleira expurga quem vive no centro e inflaciona o preço dos fogos disponíveis se não houver construção de habitação a custos controlados. A transformação da cidade num cenário para o passeio de gente endinheirada é a negação do espaço partilhado.

Mas o erro fundamental de Fernando Medina é insistir nesta lógica de expansão sem limites que concentra os ganhos do turismo nas mãos dos hoteleiros. A taxa turística representa 15 milhões de euros por ano. A gestão dessa receita foi colocada no Fundo de Desenvolvimento do Turismo que é gerido pela Associação de Hotelaria. É inaceitável entregar o dinheiro que devia servir para a cidade aos patrões do turismo para multiplicarem os seus lucros. A proposta do Bloco é simples: cada euro da taxa do turismo deve servir para reconstruir a cidade na habitação, transportes, escolas, comércio local. Esses euros têm que ser investidos no bem estar da população e na qualidade da cidade.

Essencial é o combate à precariedade laboral

Nesta cidade que queremos partilhada com todos, o essencial é o combate à precariedade laboral. O município tem de ser o centro do combate ao trabalho precário e aos falsos recibos verdes. Também não aceitaremos contratos com empresas e fornecedores que não respeitem os trabalhadores e mantenham vínculos precários. Acabar com o outsourcing como regra. O município da capital deveria ser o primeiro a apresentar-se livre de precariedade: o primeiro município precariedade zero.

É por isso que para nós é essencial a cozinheira que todos os dias serve duzentas crianças numa escola básica no centro da cidade, a trabalhar há 8 anos a recibos verdes para uma empresa de outsourcing.

Ou é essencial falarmos dos trabalhadores que todos os dias abrem e mostram o Museu do Design por 3 euros à hora, também contratados por uma empresa intermediária a falsos recibos verdes. Ou do recurso às dezenas de contratos-emprego-inserção, essa nova forma de escravatura que abusa de quem está desempregado mas que merece ser tratado com respeito e dignidade e não forçado a trabalhar por 80 euros por mês desempenhando funções iguais a qualquer outro trabalhador do município.

Camaradas,

Lisboa mudou muito nos últimos anos. Certamente que em muito mudou para melhor, mas se as dificuldades de quem aqui vive são hoje maiores - pelo efeito das políticas de austeridade e desemprego - é também verdade que a maioria absoluta PS foi tempo perdido na habitação, nos transportes, nas creches para as crianças. Foi tempo perdido no essencial para a vida das pessoas e seria um tremendo erro que se repetisse nestas eleições.

Apresento-me como candidato à Câmara Municipal de Lisboa e sei que conto convosco.

Estamos aqui, prontos para aceitar todos os desafios. Certos da responsabilidade que é assumir uma alternativa de governo para a cidade de Lisboa. Para lutar por mais e melhor habitação e transportes, combater a precariedade, valorizar os bens municipais, o nosso espaço e a nossa história, não como património à venda, mas sim como bens partilhados.

O Bloco já mostrou mais do que uma vez que faz a diferença

O Bloco já mostrou mais do que uma vez que faz a diferença. Está à vista no país: foi a força e os votos que o Bloco conseguiu juntar nas legislativas de 2015 que garantiram uma verdadeira viragem na situação nacional. Chegou a altura de fazermos o mesmo em Lisboa.

Pela cidade para todos e para todas. A cidade onde podemos viver com dignidade, trabalhar com direitos e receber bem quem nos procura. A cidade da mobilidade com liberdade. A cidade que recebe quem nos visita e quem procura refúgio. A cidade que ouve. A cidade que respeita a diferença. A cidade da vida inteira, e para isso o que conta é o essencial, é a cidade partilhada.

Vamos a isso.