Comentário de Ricardo Robles, engenheiro civil e deputado municipal do Bloco em Lisboa a propósito do documentário “Terramotourism”, do coletivo Left Hand Rotation, um grupo ativista pelo direito à cidade (o filme pode ser visto aqui). Este comentário foi conduzido por Mariana Gomes e faz parte do programa Mais Esquerda que pode ser visto aqui e conta ainda com uma entrevista ao realizador Miguel Gonçalves Mendes (aqui) e uma reportagem sobre a remunicipalização da água em Mafra (aqui).
Está a acontecer um terramoto em Lisboa?
Na realidade, não é um terramoto, mas é uma transformação profunda da cidade tal como a conhecemos, sobretudo o seu centro histórico. Este filme do coletivo Left Hand Rotation, do Estado espanhol, um coletivo que faz intervenção na área do vídeo e do cinema sobre várias questões urbanas, desde os despejos até processos de gentrificação relacionados com o turismo, é um documentário muito recente sobre Lisboa, tem algumas das imagens com poucos meses e trata exatamente do fenómeno da pressão turística no centro da cidade de Lisboa. E, se não é um terramoto com uma catástrofe da dimensão de 1755, é uma transformação sobre a qual devemos pensar e atuar, porque, senão, terá consequências muito fortes e muito negativas para a cidade.
O que é que a cidade pode fazer em relação a este problema?
Primeiro, o executivo municipal tem muitas responsabilidades, em particular Fernando Medina, e tem de acabar este deslumbramento com a questão do turismo. O Presidente da Câmara já nos disse que não sabe o que é turismo a mais e, segundo ele, é preciso aumentar a presença do turismo na economia da cidade.
Nós achamos, pelo contrário, que o turismo é importantíssimo para a economia da cidade, para a criação de emprego, e para a criação de riqueza, mas que tem de ser regulamentado, controlado. Tem de ser, de alguma forma, condicionado pelo poder municipal. E isso não está a acontecer, pelo contrário, está a haver um desenvolvimento descontrolado que tem consequências gravíssimas ao nível da higiene urbana, da gestão dos espaços públicos, do comércio local, mas, sobretudo, dos transportes e da habitação, e é aí que a intervenção tem de ser mais forte, para evitar que a cidade desapareça na zona histórica.
Como é que Lisboa se pode mais virar para as pessoas que nela querem nela viver?
O documentário incide muito e trata muito bem a questão da pressão do turismo. A questão é, como dizes, o que podemos fazer para resolver este problema e, desta forma, não perder o próprio turismo, porque dentro de pouco tempo arriscamo-nos a perder as pessoas que querem visitar a cidade de Lisboa, porque ela se transformou num espaço irrespirável e sem qualquer característica de Lisboa, tal como a conhecíamos.
Para isso, é preciso intervir a dois níveis. Primeiro, tem de haver uma regulamentação municipal urbanística, ou seja, não podemos aceitar que na zona da Baixa, em meia dúzia de ruas, possam abrir tantos hotéis num tão curto espaço de tempo. Todos os imóveis estão destinados à exploração turística e isso não é aceitável, é desigual e degenera o conceito de cidade. Para haver cidade, tem que haver pessoas e, se houver só hotéis, elas deixam de existir.
Por outro lado, para fazer isso, é preciso investimento e há uma forma de financiar esse investimento, já existe uma Taxa de Turismo. Por cada dormida em Lisboa, cada pessoa deixa um euro e isto gera uma quantia muito significativa. Em 2016, foram 15 milhões de euros, em 2017 a expectativa é que isto cresça, e é muito dinheiro que tem de ser aplicado da melhor forma para salvar a cidade.
O que está em vigor por decisão de Fernando Medina foi que esta bolsa de 15 milhões de euros fosse entregue a quem gere o turismo na cidade de Lisboa: a Associação de Hoteleiros e a Associação de Turismo de Lisboa. Naturalmente, estas duas associações querem aplicar o dinheiro para gerar mais turismo e mais sobrecarga sobre a cidade, porque lhes interessa os seus lucros perante a presença dos turistas. E não é isto que se tem de fazer, é o inverso. Tem de ser o poder municipal púbico, a gerir esse dinheiro e a criar cidade onde ela está a deixar de existir. Onde as pessoas já não conseguem arrendar ou comprar casa porque os preços dispararam, é preciso criar habitação municipal para que toda a gente possa viver na cidade. Nos transportes, é preciso investir para que seja possível a mobilidade urbana. Há muito para fazer, há disponibilidade financeira, é preciso é ter a coragem para decidir da melhor forma.