Os critérios que vão sendo adicionados, como o ranking de sucesso, não conseguem atenuar as semelhanças e diferenças entre realidades, fazendo com que, inevitavelmente, os lugares dianteiros sejam ocupados por escolas privadas, e, no final da lista, se concentrem aquelas que enfrentam as maiores dificuldades. Ano após anos, os dados publicados são claros: as escolas com melhores resultados são aquelas cujos encarregados de educação têm maior grau de escolaridade, que se situam em localizações geográficas mais favorecidas, e com menos alunos beneficiários de ação escolar.
Olhemos para a cidade de Lisboa, por exemplo. Na escola pública mais bem colocada relativamente ao 9.º ano, a Escola Artística de Música do Conservatório Musical, só 14% dos alunos beneficiam de Ação Social Escolar, e a média de escolaridade dos pais é de 15 anos. Na que se encontra no fim da tabela, a Básica do Bairro Padre Cruz, 80% são beneficiários de ação social escolar e a escolaridade dos pais não vai além de 7 anos. Já muito foi escrito sobre a injustiça de comparar o incomparável, mas a correlação sistemática entre resultados mais ou menos satisfatórios e o contexto social das escolas não se esgota nesse exercício inútil. Importa refletir, antes de mais, sobre a própria existência de realidades escolares tão diferentes.
É fácil perceber que uma escola guetizada, estigmatizada, e que, frequentemente, tem de resolver problemas bem mais urgentes do que a matéria que é avaliada nos exames, até pode ser uma escola que faz um trabalho mais do que muito válido, mas não vai conseguir cumprir um dos objetivos da escola pública: ser o caminho que leva a um futuro diferente da realidade ingrata de quem a frequenta. Isto é particularmente grave nas escolas entaladas em bairros sociais, em que há alunos que chegam ao 9.º ano sem nunca ter saído do bairro, conhecido outras realidades, convivido com colegas com outras aspirações.
E esta aparente inevitabilidade começa logo no início do percurso escolar. Desde o primeiro ciclo que existem barreiras invisíveis, linhas que ninguém vê mas toda a gente conhece, e que separam destinos. Há zonas em que quem vive de um lado da rua vai para a escola “de sucesso”, enquanto os do outro lado vão para a “escola dos ciganos”. Há escolas que convidam os alunos com mais dificuldades a sair, e outras que vêm os melhores alunos a sair, todos presos num círculo vicioso de pseudo mérito e exclusão. Há pais e mães que vendem a alma ao diabo para garantir que os filhos ingressam em escolas “de sucesso”, com toda a sua espiral voraz de explicações, centros de estudo, competição, ansiedade e homogeneidade.
É esta a maior perversidade dos rankings, e não, não prejudica só os alunos da Escola Básica do Bairro Padre Cruz. As escolas no topo da lista, por estarem no topo da lista, vão continuar a ter mais candidatos do que vagas, e assim, a poder excluir todos os que não garantam que permanecem no tipo da lista no ano seguinte. Todos os anos entram alunos iguais uns aos outros e iguais aos do ano anterior. Tal como nas escolas no fim da lista, portanto. Quer num caso, quer noutro, quem frequenta aquelas escolas só conhece pessoas iguais a si mesmo.
Num território tão heterogéneo como Lisboa, combater esta homogeneidade artificial é uma prioridade absoluta. Não é por acaso que são as escolas nos lugares intermédios da tabela as que melhor preparam os alunos para serem bem sucedidos na universidade. Numa sociedade diversa, tolerante, solidária e coesa, a escola pública não pode resumir-se a números e comparações. Tem de criar cidadãos completos, conscientes, críticos e interventivos, capazes de interagir em contextos diferentes, com pessoas diferentes, sabendo gerir e aprender com as diferenças de opinião. E isto só é possível em escolas que não sacrifiquem a diversidade a um lugar no ranking, em escolas feitas para toda gente, onde todos ganham asas. Sem exceção.