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Democracia é segurança e igualdade

Boa tarde a todos e a todas. Gostaria de começar por saudar todos os membros da Assembleia de Freguesia da Misericórdia pela organização desta sessão temática. É com satisfação que vejo serem assumidas a auscultação e o diálogo prévios na procura conjunta de soluções a problemas levantados na nossa Freguesia.

Agradeço a presença de todos os convidados, não podendo deixar de dirigir também o meu agradecimento pessoal à Doutora Cristiana Vale Pires, da coordenação do projeto Lisbon Nightlife Commission, por ter acolhido o convite sugerido pelo Bloco e que veio enriquecer com o seu trabalho académico o tema que hoje aqui se discute.

Lembramos, também, que a própria Assembleia Municipal de Lisboa já teve oportunidade de debater o tema da segurança na cidade, tendo contado com vários especialistas e atores na cidade, o que só demonstra a importância de ouvir quem trabalha diariamente nestas áreas e organizações de moradores e comerciantes. Esse exercício de cidadania é muito relevante, e aproveitamos para relembrar que desse debate na Assembleia Municipal ficou claro que são necessárias medidas alargadas, que sejam multi-setoriais, que não sejam puramente restritivas ou punitivas, e que pensem a cidade como um todo.

É importante recordar que esta sessão surge do debate ocorrido na sessão ordinária da Assembleia de Freguesia da Misericórdia,  no passado dia 18 de Agosto, depois de termos sido confrontados com uma intervenção precipitada no Miradouro de Santa Catarina.Neste caso, a ausência prévia de auscultação e de diálogo na procura conjunta de soluções, ditou o encerramento compulsivo do Miradouro do Adamastor por parte da Câmara Municipal.

A justificação para esta intervenção foi a segurança. No entanto, a implementação dessas medidas  foram esvaziadas de diálogo e transparência nas decisões por parte do executivo da Junta e da Câmara Municipal, quando outras soluções de dinamização cultural do espaço para todos não foram devidamente consideradas, tendo desde logo podido contar com a colaboração do Bloco neste sentido.

Em causa, está primeiramente o direito de usufruto pleno do espaço que é e que se quer manter público e aberto, e sem qualquer espécie de limitação a pessoas e faixas etárias.

As duas petições de moradores da Freguesia da Misericórdia, entregues na Assembleia Municipal de Lisboa, reivindicam isso mesmo. Todos querem frequentar o miradouro, todos querem a devolução do espaço público.

De que forma? Sem limitações.

Falar de segurança e insegurança é falar de liberdade e da sua limitação no usufruto de espaços. E não será com um gradual encarceramento do espaço público que teremos mais segurança, pois todos sabemos que o resultado final será o encarceramento de todos nós.

Hoje encerramos o Adamastor, como já encerrámos o jardim de Santos, e como foi proposto para o Martim Moniz.  De seguida encerraremos a Bica, o Largo Camões, o Bairro Alto, o Cais do Sodré, a Rua Cecílio de Sousa, e por diante.

Falar de segurança é também falar de ameaças. Quem é que está a ameaçar os nossos bairros, ruas e praças? Os Turistas? Os traficantes de droga? Os frequentadores dos bares e discotecas? Os especuladores imobiliários? Quais as origens dessa insegurança?  Não deveremos olhar com mais atenção para o processo de gentrificação que se vive actualmente na freguesia, que multiplica factores de risco para os habitantes? Pode estar a dar-se o caso de a certa altura estarmos a amplificar os problemas em vez de os resolvermos?

As respostas  à insegurança têm que ser feitas com a participação das pessoas. Sem demagogias, e baseadas em dados capazes de retratar com fidelidade o momento que estamos a viver

Os fregueses da Misericórdia estão cansados de perder. Cansados de perder as suas casas, cansados de perder os seus estabelecimentos, cansados de perder as suas relações sociais e humanas, cansados de perder os seus espaços.

Se se sustenta  o encerramento de espaços públicos com a existência de outros espaços fechados na cidade, relembro a dinamização do Largo do Intendente, como solução para problemas similares de segurança.

A resposta pública à insegurança tem obrigatoriamente de se basear no combate inteligente aos fatores sociais que acompanham e potenciam os contextos de insegurança, pois de outra forma estaremos somente a transferir e a adensar o problema.

Na maior parte das vezes, exige respostas plurais, articuladas em projetos de médio e longo prazo. De nada valem gradeamentos se não olharmos ao tecido social da cidade.

Dialogar, articular, integrar, despromover preconceitos económicos, culturais, raciais, xenófobos, homofóbicos.

Pretendemos uma freguesia e um concelho que alimente e estenda este diálogo entre entidades públicas, moradores e suas estruturas sociais. Esta iniciativa, esta mesma sessão, espelha essa mesma postura.

Passemos então do diálogo para a ação:

É necessário investir no melhoramento e  requalificação do espaço público em todas as vertentes, sejam elas físicas ou culturais.

É necessário melhorar e investir num policiamento de proximidade e de apoio à comunidade. De nada vale recuperar fachadas, se não capacitarmos o tecido social da cidade. Este trabalho poderá ser feito com o apoio da polícia municipal, vocacionando-a para o apoio à comunidade. Sendo esse trabalho tão fundamental para o reconhecimento e confiança por parte dos cidadãos, numa colaboração positiva e eficaz desta rede humana.

É necessário criar condições para o usufruto do espaço público, dando condições a estes espaços, nomeadamente através de uma melhor limpeza dos espaços, sanitários públicos e contentores dimensionados ao afluxo de pessoas.

É necessário intervir na dinamização cultural destes espaços, promovendo a capacitação e a participação dos habitantes locais.

É necessário criar uma estrutura local que integre os vários actores da freguesia (junta, forças de segurança, associações, moradores) para que possam promover um diálogo e articulação de medidas.

Esse é o dever público e cívico que nos compete. Democracia é segurança e igualdade. Essa é a responsabilidade que cada a um de nós é permanente confiada e legitimamente reivindicada por todos cidadãos.

Intervenção no debate "Segurança Pública e Cidadania", organizado pela Assembleia de Freguesia da Misericórdia no dia 23 de janeiro de 2019.