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Empresas Públicas

O Bloco de Esquerda sempre se opôs à constituição de empresas públicas que sirvam para diminuir a transparência e o escrutínio político e democrático de funções do Estado, criar mecanismos para fugir às dificuldades legais de circulação de dinheiros públicos, contornando as regras de contratação pública.

Durante muitas décadas, estas foram servindo ao nível municipal, pelo país fora, para delegar funções das autarquias em empresas por elas criadas, sob seu comando. Isto radica no conceito, e prática em alguns casos, de que as autarquias seriam estruturas demasiado pesadas e burocráticas. No entanto, não se combate a falta de agilidade com "outsourcing". Da mesma forma, as empresas públicas criaram muitas vezes desigualdades entre funcionários públicos afetos ao Estado e funcionários públicos das empresas municipais.

No manifesto nacional para as Autárquicas 2001 o Bloco identificava o problema da “administração periférica” nas autarquias, que tinha por base “a multiplicação de institutos, fundações, empresas municipais e privatizações de serviços municipais”. A justificação para a multiplicação destas estruturas seria a procura de soluções expeditas para as dificuldades legais à circulação de dinheiro público, no entanto é reconhecido no Manifesto que várias destas estruturas tinham justificação.

As soluções propostas para resolver este problema eram as seguintes: 1) Rastreio ao universo de instituições criadas paralelamente às autarquias; 2) Estudar alterações nos procedimentos financeiros em vigor; 3) Defender o encerramento de todas as estruturas que se desviem do princípio: “segundo o qual a optimização dos recursos deve ser encontrada no âmbito dos serviços municipais e só em última instância fora deles”; 4) Os candidatos do Bloco sustentam uma maior participação, “na definição e fiscalização das obrigações e padrões de qualidade das empresas que prestam serviços municipais, independentemente da forma de propriedade e exploração”.

Transpondo esta visão nacional para o programa autárquico de 2001 da cidade de Lisboa, o Bloco propunha encerrar todas as empresas municipais que tivessem um carácter paralelo à administração municipal. Excluiam-se deste encerramento duas empresas: a EPUL, que deveria absorver a GEBALIS e a ATL; a AMBELIS, que deveria ser transformada numa agência intermunicipal. A situação das empresas municipais em 2001 na CML era muito diferente da actual, existiam 14 empresas municipais, uma autêntica Câmara paralela. Hoje subsistem apenas 5 empresas municipais (CARRIS, GEBALIS, SRU, EGEAC, EMEL).

Quatro anos depois, em 2005, no seu Manifesto Eleitoral Nacional, o Bloco continua a afirmar a sua proposta de auditoria das empresas municipais, devendo estas serem extintas “sempre que se comprove serem injustificadas ou não trazerem qualquer vantagem para a melhoria dos serviços do município”.

Repetindo o exercício anterior, de consulta ao programa autárquico do ano do manifesto eleitoral (2005), encontramos uma Câmara com 8 empresas municipais (EGEAC, EMARLIS, EMEL, EPUL, GEBALIS, 3 SRU diferentes). O Bloco afirmava que “a grande maioria destas empresas municipais não tinha justificação funcional suficiente, podendo e devendo as suas funções ser diretamente asseguradas pela CML”. Além disso, a CML encontrava-se na altura com uma situação financeira difícil: com uma dívida de curto prazo de 200 milhões de euros e com a sua capacidade de endividamento largamente ultrapassada.

As nossas propostas para esta área em 2005 eram: extinção de 6 empresas municipais (EGEAC, EMARLIS, EMEL e 3 SRU’S); fusão da EPUL com a GEBALIS numa única empresa municipal de habitação (tal como em 2001); criação de uma “nova Empresa Municipal de Transportes, resultado da fusão e municipalização da CARRIS e do Metro. No final haveria duas empresas municipais utilizadas como um “instrumento privilegiado de novas políticas de habitação e transportes”.

Nas eleições de 2009, em Lisboa, o Bloco mantém a sua posição sobre as empresas municipais: continua a defender a fusão da EPUL com a GEBALIS e a criação de uma empresa pública única do Metro e da CARRIS “terminando-se com uma situação cada vez mais absurda, que é a do governo da cidade não ter os instrumentos de política capazes de aplicar uma política de mobilidade, através do controlo directo sobre os seus operadores”.

Continuando para 2013, a posição nacional sobre as empresas municipais mantém-se, assim, como a crítica de fundo sobre a utilização deste “veículo para a “privatização” das regras de direito público aplicáveis à atividade autárquica”. Coerentes com este princípio, os autarcas do Bloco comprometem-se a combater este uso abusivo do Sector Empresarial Local, propondo a dissolução, ou opondo-se à constituição, de entidades que visem este propósito.

Ainda em 2013, no programa autárquico para Lisboa, surge um ponto exclusivamente dedicado às empresas municipais (p.68), no qual o Bloco reconhece que estas têm vindo a ser extintas ao longo dos anos. Mantendo a crítica de fundo, o programa “defende a extinção da generalidade das empresas municipais de Lisboa, que não constituem nenhum valor acrescentado (...)”, sendo a EMEL um dos casos identificados na altura. O Bloco defende, no entanto, a manutenção de duas empresas municipais: 1) “(...) manutenção de uma empresa municipal na área da habitação, que resulte da fusão das empresas ainda existentes e se constitua como um instrumento para uma política integrada para a habitação no município de Lisboa”; 2) “Além desta empresa, justifica-se ainda a manutenção da EGEAC, uma vez que a gestão dos equipamentos municipais beneficia fortemente da autonomia administrativa de que as empresas municipais usufruem”. Além da manutenção destas duas empresas, o Bloco defende ainda que “todas as empresas municipais têm de melhorar significativamente, e tornar mais frequente a prestação de contas, quer perante a AML, quer na disponibilização desta informação nos respectivos sites”.

Sobre os transportes, ainda em 2013, o Bloco também traz uma nova proposta: um modelo de gestão público partilhado, com empresa pública de participação mista do Estado e do município de Lisboa.

Em Lisboa, como no resto do país, o Bloco de Esquerda sempre identificou a maior parte destas empresas como sendo estruturas paralelas às Câmaras Municipais e que na maior parte das vezes apenas se justificam por lógicas de funcionamento que fogem ao escrutínio público. A constituição destas empresas municipais fez sair do controlo político das e dos eleitos da Câmara Municipal a ação dessas funções que são da sua competência. Este critério de escrutínio das empresas municipais é essencial e não é abdicável,  mas também é necessário reconhecer que estas se justificam em casos muito concretos, como sempre defendemos nos programas autárquicos.

Como vimos anteriormente, o Bloco defendeu a municipalização de empresas, como a CARRIS, que graças a essa iniciativa está hoje mais protegida da privatização e tem vindo a recuperar do desmantelamento planeado pelo Governo PSD/CDS, melhorando o serviço prestado às populações. Neste caso, como noutros, o Bloco deverá estar sempre ao lado das soluções públicas que melhorem a vida das e dos cidadãos e do direito à cidade.

Hoje, é inegável a importância da CARRIS ser uma empresa municipal pública: foi o melhor mecanismo para travar a privatização que se adivinhava e, apesar das melhorias serem mais lentas do que o necessário, a gestão da CARRIS tem, efetivamente, um escrutínio e controlo apertado da Câmara Municipal de Lisboa e remete informação permanente à Assembleia Municipal. Relembramos também que muito recentemente (5 de junho de 2018) o Bloco apresentou na Assembleia Municipal uma recomendação para a extinção da EMEL, fundindo-a com a CARRIS, numa empresa de mobilidade na cidade de Lisboa, possibilitando ganhos de eficiência significativos e permitindo uma visão abrangente de todas as vertentes da mobilidade de uma cidade.

A questão dos transportes é paradigmática, a CARRIS e os Transportes Colectivos do Barreiro são hoje duas empresas municipais que poderão ter capacidade para absorver os contratos dos operadores de transportes privados da área metropolitana de Lisboa, eliminando as indemnizações compensatórias milionárias e apostando no serviço público de qualidade às populações. Esta opção seria inviável caso não tivesse ocorrido a municipalização da CARRIS; é um bom exemplo, e hoje a direita está isolada na sua crítica, visto que tinha tudo preparado para a sua privatização.

Nestes casos, como noutros nacionais como os Hospitais EPE, o Bloco não acompanhou a narrativa de que a gestão empresarial era superior à gestão pública. Aliás, legislação recente impõe transparência e, necessariamente, dificuldades à contratação pública, significando, assim, que muitas empresas públicas são criadas com o objetivo de contornar essa legislação.

Em Lisboa o caso recente da SRU é disso exemplo. Fernando Medina decidiu alterar os estatutos da SRU para que esta se tornasse a empresa de obras públicas da Câmara Municipal de Lisboa, acabando, assim, com a Direção Municipal de Projectos e Obras, por considerar que os serviços da CML eram demasiado burocráticos e lentos. Consequentemente, o Bloco votou contra a alteração de estatutos, tanto na CML como na AML, que garantiu a transformação desta empresa na máquina executiva de obras da CML. Votámos contra exatamente pelos argumentos já identificados: menos escrutínio público, menos democracia, menos transparência na gestão da coisa pública.

Sem contradição, o Bloco sempre combateu a privatização de várias empresas públicas como a CGD, o Metro de Lisboa, a CP, a Transtejo Soflusa, a RTP (Rádio e Televisão), a Lusa, a EPAL, a NAV, a Águas de Portugal ou a TAP. Este combate faz parte da nossa história, do nosso presente e fará parte do nosso futuro.

Noutros casos, como nos casos recentes durante o governo PSD/CDS, e apesar da luta do Bloco e de amplos setores da sociedade, empresas públicas foram privatizadas. Ainda assim, a partir de 2015, com a solução parlamentar encontrada, conseguimos impedir movimentações do anterior governo que tinham tudo preparado para privatizar mais empresas. Hoje o Bloco bate-se pela re-nacionalização dos CTT, da Fidelidade,da PT, da REN e da EDP. Sempre dissemos: público é de todos, privado é de alguns. A destruição do serviço de correio dos CTT, a especulação imobiliária e os despejos da operação da Fidelidade, os despedimentos em massa na PT ou o facto das empresas estratégicas de energia (EDP e REN) estarem nas mãos do Estado Chinês são exemplos de que o Bloco tinha razão no combate a estas privatizações.

Finalmente, a posição de fundo do Bloco de Esquerda sempre foi de combate às empresas públicas como offshore do Estado e de defesa de empresas públicas em áreas estratégicas, nomeadamente as relacionadas com bens públicos como a água, a energia, a saúde, transportes ou ou redes de distribuição.

Esta tem sido a posição de princípio do Bloco de Esquerda ao longo dos anos, havendo, no entanto, vários casos em que se defendeu a sua manutenção, fusão e até a criação de empresas públicas municipais, desde que cumpram objectivos bem justificados, regras de transparência, e que esteja assegurado o seu escrutínio público.

Lisboa, 11 de abril de 2019

Comissão Coordenadora Concelhia de Lisboa