António Costa definiu a descentralização de competências como a “pedra angular da reforma do Estado”. Assim, compreende-se que Fernando Medina queira aceitar todas as competências porque este processo de municipalização é prova de vida para esta reforma acordada entre PS e PSD.
No entanto, o processo está a correr mal porque mais de 60 autarquias recusaram aceitar a descentralização administrativa e apenas três das dez maiores Câmaras do país aceitaram as novas competências. Porto, Coimbra, Vila Nova de Gaia, Sintra, Loures, Braga e Matosinhos recusaram e criticaram o Governo por não promover um processo transparente.
A Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais prevê a municipalização das responsabilidades do Estado nas áreas da Educação, Ação Social, Saúde, Proteção Civil, Cultura, Património, Habitação, Turismo, Praias, Áreas Protegidas, Policiamento, Saúde Animal, Segurança dos Alimentos, Incêndios, entre outras. Como se percebe, sem meios financeiros, recursos humanos e capacidade técnica, a esmagadora maioria das autarquias não vai ter condições para assumir as novas competências, pondo em causa a equidade territorial e a universalidade de acesso a direitos. Num país desigual a municipalização vai criar mais desigualdade.
Um processo de descentralização sério do Estado, no cumprimento da Constituição da República Portuguesa, só pode ser realizado pela Regionalização. Só assim podemos reforçar a democracia, a participação e a capacidade de decisão cidadãs.
Ao princípio da subsidiariedade, tal como preconiza a Constituição da República Portuguesa, subjaz o princípio da democraticidade, ou seja, que os órgãos recetores de competências sejam eleitos por sufrágio universal e com escrutínio pelas populações. Este princípio não pode ser letra morta e o Estado Central não pode afastar uma responsabilidade que é sua, como a de garantir serviços sociais de acesso universal, sob pena de a sua desresponsabilização levar à degradação destes serviços e ao dificultar do acesso de todos os cidadãos, em pé de igualdade, a estes serviços.
Em Lisboa, Fernando Medina resolveu salvar a reforma do Estado acordada entre António Costa e Rui Rio aceitando as competências descentralizadas, apesar de não terem sido realizados quaisquer estudos sobre o impacto económico e social da medida e sem ser conhecido o pacote financeiro associado. Tudo o que importa ao PS é chegar às eleições de outubro com uma prova de que a municipalização não foi um falhanço.
Ao longo dos últimos meses o Bloco de Esquerda apresentou propostas de recusa da municipalização, também nas áreas da Saúde e da Educação, na Câmara Municipal, na Assembleia Municipal e em várias Assembleias de Freguesia da cidade de Lisboa. No entanto, estas iniciativas foram sempre chumbadas pelo PS, PSD e CDS-PP.
Esta é uma matéria especialmente sensível, porque o Bloco de Esquerda tem funções executivas em Lisboa nas áreas da Saúde e Educação. Os Decretos-lei setoriais da Saúde e da Educação dão conta da passagem dos edifícios e dos assistentes operacionais de nove centros de saúde e unidades de saúde familiar e de 53 escolas, de 2º e 3º ciclo e Secundárias, sem estarem previstos os necessários recursos financeiros e sem a necessária preparação da orgânica da Câmara Municipal de Lisboa.
Na saúde por exemplo, os objetivos estratégicos desta municipalização, devem ser, e muitas vezes até já o são, concretizados pela vontade política de o concretizar. A eficácia, eficiência, as sinergias e ganhos em saúde são resultado de melhor e maior investimento necessário do Estado Central em recursos humanos e infraestruturas do SNS e a devida articulação territorial com os municípios. Não é necessário descentralizar competências, nomeadamente entregar a gestão dos edifícios e de assistentes operacionais, para concretizar esses objetivos. Talvez em vez de descentralização o nome indicado fosse até “desresponsabilização”.
Esta situação estava prevista no Acordo entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda para a CML no ponto B8: “No caso de se concretizar a descentralização administrativa nos 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário, será garantido financiamento e meios técnicos para a requalificação e reequipamento das escolas sobre as quais o município passe a exercer competências.”
Assim, o Bloco de Esquerda deve voltar a recusar a municipalização das competências, nomeadamente da Saúde e Educação, e, caso o Partido Socialista insista na sua concretização, o Bloco deve exigir os necessários estudos para a realização da descentralização administrativa e a garantia de que os meios aferidos pelos estudos estão disponíveis para as escolas e centros de saúde que poderão passar para a gestão do município.
Texto proposto pela Coordenadora Concelhia de Lisboa, aprovado em plenário de aderentes do Concelho de Lisboa.
18 de junho de 2019