Helena Lopes da Silva nasceu e viveu em Cabo Verde até ao décimo primeiro ano de escolaridade. Quando terminou o liceu, veio estudar para Portugal, porque não existia universidade em Cabo Verde.
Conheceu Portugal com 15 ou 16 anos, numa viagem de barco promovida pela Mocidade Portuguesa, oferecida aos melhores alunos, na sua maioria rapazes. Foi a primeira vez que viajou para a Europa. No regresso, conheceu um comissário de bordo, que posteriormente veio a descobrir tratar-se de um militante do Partido Comunista Português na clandestinidade. Foi aqui que começou a despertar para algumas questões de discriminação, de exploração e de colonização, surgindo algum interesse para a luta de libertação.
Mudou-se para Portugal aos 18 anos, tendo ido estudar para o Porto, com uma bolsa de estudo, e integrou-se facilmente no meio estudantil. Encontrou um grupo trotskista muito avançado politicamente, do qual se aproximou, e passou a participar em reuniões onde se discutia a questão da luta pela libertação, se promovia a formação política e se falava de relações de produção, classes sociais e proletariado. Começou também a ter formação e informação sobre a luta de libertação nacional cabo-verdiana.
Ao fim de dois anos no Porto, pediu transferência para Lisboa, onde estava a maioria dos seus colegas cabo-verdianos. Ao chegar à capital, foi imediatamente integrada na organização clandestina do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) em Portugal.
Também fez parte da organização trotskista portuguesa, que veio a dar origem à Liga Comunista Internacionalista (LCI). Faziam reuniões clandestinas e distribuíam propaganda entre estudantes e operários. Assim, a sua formação e a sua atividade política foram sempre nessas duas vertentes clandestinas: uma na LCI, ligada à IV Internacional, e outra ligada aos movimentos de libertação, nomeadamente no PAIGC, que lutava pela independência de Cabo Verde e Guiné.
Logo na altura do 25 de Abril de 1974, começou a reivindicar a independência para as colónias e a exigir “nem mais um soldado para as colónias”. A 3 de maio, defendeu num encontro de alunos uma proposta de ocupação da Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos (PEU), uma estrutura do Regime que tinha como função arregimentar os estudantes africanos contra a independência, contra os movimentos de libertação. A proposta foi aceite e a PEU foi ocupada. Depois, foi transformada na Casa dos Estudantes das Colónias (CEC). Foi eleita uma direcção, que Helena Lopes da Silva presidiu.
Na LCI, logo após o 25 de Abril, participou em todas as actividades de mobilização quer estudantil quer dos trabalhadores, acreditando que era importante fazer a ligação entre a luta estudantil e a luta operária. A LCI deu origem ao PSR e Helena Lopes da Silva prosseguiu o seu percurso dirigente da luta feminista em Portugal, na criação da Campanha Naiconal pelo Aborto e Contracepção (CNAC) ou da organização autónoma de mulheres, o grupo “Ser mulher”. Juntamente com as mulheres da UDP e do MDM, fez várias reuniões sobre a questão dos direitos das mulheres que, na altura, era fundamentalmente sobre o reconhecimento do direito à interrupção voluntária da gravidez. Fez parte dos Movimentos pelo Sim à despenalização do Aborto nos referendos, tendo sido uma das impulsionadoras do movimento Médicos pela Escolha.
Em 1994, surgiu o momento de maior protagonismo político, ao liderar a candidatura do PSR as eleições europeias. Helena Lopes da Silva tornou-se a primeira cabeça de lista negra nas eleições em Portugal, numa campanha que trouxe visibilidade às questões do racismo e da xenofobia em Portugal e na Europa. Cinco anos depois, foi fundadora do Bloco de Esquerda.
Em 2015, foi condecorada pelo Presidente da República de Cabo Verde com o Segundo Grau da Ordem Amílcar Cabral. Fazia parte do Conselho de Estado do país.
No que respeita à sua atividade académica e profissional, Helena Lopes da Silva estudou no Liceu Domingos Ramos (então Liceu Adriano Moreira) na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1975 e especializou-se em Cirurgia Geral. Foi Assistente Graduada de Cirurgia no Hospital Santa Maria (1998-2016), membro do Colégio da Especialidade de Cirurgia da Ordem dos Médicos e chefiou a Equipa de Consulta Externa de Cirurgia 1 durante 20 anos. Foi Assistente Convidada de Cirurgia da FML (1981-2016) e Mestre em Gestão da Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública/UNL.
O Bloco de Esquerda expressa o seu profundo pesar à família, amigos e camaradas de Helena Lopes da Silva, e o Esquerda.net transcreve na íntegra a sua nota de pesar:
Morreu hoje Helena Lopes da Silva, fundadora do Bloco de Esquerda e sua ativista desde sempre. Nascida em Cabo Verde, fez em Portugal o seu curso de medicina e exerceu a sua atividade profissional como cirurgiã e docente universitária. Com 69 anos, Helena foi militante da esquerda anti-colonialista contra a ditadura e depois membro da LCI, que deu origem ao PSR, cuja lista às eleições europeias encabeçou em 1994. Foi uma das criadoras da Campanha Nacional pelo Aborto e Contracepção (CNAC), que deu origem à mobilização pelos direitos das mulheres contra a criminalização do aborto. Perdeu o referendo de 1998 e ganhou o seguinte, tendo sido sempre uma das destacadas dirigentes feministas. Como médica, impulsionou o movimento dos Médicos pela Escolha, que foi crucial nessa vitória. Manteve um contacto intenso com o seu país de origem, onde fazia parte do Conselho de Estado.
Viveu em 1999 o entusiasmo da criação do Bloco, que acompanhou em todos os seus momentos. Deu a sua opinião, juntou gente, foi coerente, foi como era, combativa e forte. Lembraremos a sua atitude, a sua frontalidade, a sua vontade, a sua amizade e o seu internacionalismo.
O Bloco de Esquerda apresenta aos seus familiares e amigos as mais sentidas condolências. Perdemos uma das nossas militantes e a esquerda perdeu uma das suas grandes lutadoras sociais. Continuaremos a lutar como ela.