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Sessão AML de 14 Janeiro - declaração política

No passado fim-de-semana um dos partidos da coligação no governo realizou a sua reunião magna. Reunidos em Aveiro, o discurso dominante foi de celebração e triunfalismo. O primeiro-ministro esteve presente e aplaudiu de pé. Preparem o fogo-de-artifício. A austeridade afinal vale a pena e a troika vai-se. Tragam o champagne.

Este é o mote do PSD/CDS para os próximos 4 meses. O 17 de Maio é o dia da libertação. Tal como Miguel Vasconcelos, a troika será defenestrada. Mas a realidade é cruel. Infelizmente, existe um outro país fora do pavilhão de Oliveira do Bairro. O discurso não cola com o país real. O número total de desempregados chega ao milhão e meio. Os pobres ascendem a um milhão e oitocentos mil. Nos últimos dois anos, cerca de 220 mil pessoas abandonaram o país à procura de vida melhor. Mais de metade dos desempregados não recebe subsídio. A austeridade liberta.

No entanto, a realidade quotidiana dos portuguese é: cortes nos salários e reformas; redução de 2% trabalhadores função pública; aumento do horário semanal para 40 horas; cortes nas pensões de sobrevivência; aumento idade da reforma para os 66 anos. Apesar de tudo isso, ainda dizem: “a austeridade compensa”.

Num empréstimo de 78 mil milhões de euros, 34 mil milhões servem para pagar juros, enquanto a dívida pública dispara para os 127% e o défice final de 2013 que deveria ser de 3% fica-se nos 5,5%. E o desemprego está acima dos 16%.

No partido do relógio desacertado, e no seu parceiro de coligação, reina a festa: Tragam o Champagne, fora com a troika, assinemos o plano cautelar.

Em Lisboa bem sabemos que não é esta a realidade. Os Lisboetas sabem que os seus rendimentos diminuíram brutalmente. Os seus salários e as suas pensões. Que os transportes estão mais caros. Que podem perder a casa para o banco ou para o senhorio. Que lhes encerram as urgências hospitalares e tornaram as consultas mais caras. E quando discutimos propostas para Lisboa, discutimos propostas neste contexto concreto.

Temos agora em mãos a proposta de descentralização associada à reforma administrativa. Durante essa discussão apresentámos uma proposta própria de reforma administrativa para Lisboa. Uma proposta baseada num princípio de descentralização que convergia em maior proximidade, maior participação e cidadania. Uma proposta feita com os trabalhadores e não contra eles.

A descentralização de meios e competências proposta pelo executivo foi implementada de forma inversa. Em junho do ano passado, o presidente António Costa reunia-se com os sindicatos e garantia que nenhuma medida avançaria sem uma consulta e discussão prévia com os trabalhadores do município. Em troca, os sindicatos suspenderam a greve prevista para o período das festas de Lisboa. Passado o momento eleitoral e garantida a reeleição, o executivo reinicia o processo de descentralização sem garantir uma discussão aberta com os sindicatos. O desfecho natural foi a convocatória da greve que durou 12 dias e atravessou o natal e fim de ano. Saudamos por isso, os trabalhadores do município de Lisboa que têm defendido estoicamente os seus direitos mas também o serviço público prestado na cidade.

Na última sessão desta assembleia, o Bloco de Esquerda interpelou o executivo sobre esta proposta de descentralização. Registámos que a luta dos trabalhadores neste processo não é uma desconfiança infundada mas sim uma legítima ação pela defesa dos seus direitos. A transferência dos trabalhadores da câmara municipal para as juntas de freguesia envolve uma alteração de vínculo contratual com elevada complexidade. Um dos problemas fundamentais prende-se com a eventualidade do posto de trabalho na freguesia ser eliminado, por exemplo, por recurso a serviços privados. Perante as dúvidas colocadas pelo Bloco de Esquerda sobre a cativação no mapa de pessoal, o presidente António Costa indignou-se e respondeu que estavam assegurados esses postos de trabalho durante toda a vida do trabalhador. Ou seja, o presidente da CML garante que durante os próximos 30 anos, os mapas de pessoal manterão cativos todos os postos de trabalho que agora transitam para as juntas de freguesia. A dúvida que colocamos relaciona-se com a dotação orçamental, que anualmente terá de ser garantida, para que esta cativação seja válida. Bem sabemos que em tempo de austeridade e de reorçamentação de despesas com pessoal essa garantia é fantasiosa e inexistente.

Por esta razão os trabalhadores defendem que os seus vínculos se devem manter na câmara municipal, não obstante desempenharem tarefas de forma descentralizada nas juntas de freguesia.

Mas a luta dos trabalhadores não se extingue na defesa dos seus direitos. Vai mais além e estende-se à garantia de qualidade do serviço público prestado pela CML. Mercados, bibliotecas, limpeza urbana, equipamentos desportivos. Todos estes serviços são um alvo apetecível para os privados, não estando garantido o serviço público.

E também aqui, as preocupações dos trabalhadores não são infundadas. Olhamos para o primeiro mandato do presidente António Costa e ficamos preocupados com o segundo.

Mantém intenção de entregar à EPAL a rede de saneamento em baixa que serve a cidade? Vai insistir nesta proposta?

Qual o posicionamento da CML, uma das principais acionistas da Valorsul, relativamente à privatização da EGF? Irá a CML alargar a lógica de concessão privada de recolha de resíduos implementados no Parque das Nações ao resto da cidade? Seguirão os planos de concessão de exploração a privados dos equipamentos desportivos da cidade? Aplicará o mesmo modelo de privatização da exploração das piscinas dos Olivais, Areeiro e Campo Grande às piscinas da Penha de França?

Perante este quadro estratégico de recurso a privados para substituição do serviço público, a preocupação dos trabalhadores é não só legítima como necessária.

Subsiste igualmente a dúvida sobre o método de cálculo dos recursos financeiros a atribuir a cada uma das juntas de freguesia. Lemos a lei 56/2013 e constatamos que Santo António terá direito a 2.444.473,03 euros e que o Beato terá direito a 1.220.013,58 euros. Calculado ao cêntimo mas sem uma justificação relacionada com população, com área, com edificado, com equipamentos ou com quadro de pessoal. Rigor ao cêntimo mas sem critério. Sabemos também que a despesa relacionada com os quadros de pessoal é dominante nos orçamentos de freguesia, embora a atribuição de recursos financeiros, calculada ao cêntimo, tenha sido realizada sem se saber quantos trabalhadores ou de que categorias transitarão para cada freguesia. Desta forma, percebemos a fragilidade das garantias asseguradas por esta proposta de descentralização de meios e competências.

O tempo que atravessamos não está para experimentalismos. Uma reforma com esta importância para a cidade de Lisboa não pode ser feita contra os trabalhadores que a fazem todos os dias. Acelerar em Lisboa o processo de empobrecimento que o país atravessa não é o caminho adequado. Esta reforma tem de ser o oposto. O município de Lisboa não pode mimetizar os processos de precarização laboral preconizados pelo governo nem insistir com a concessão a privados dos serviços municipais. Tem de caminhar no sentido de garantir e alargar os direitos dos trabalhadores do município e ao mesmo tempo garantir e melhorar o serviço público prestado aos Lisboetas.

Declaração política, 14 janeiro 2013