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Cidades partilhadas, gentrificação e turistificação

Ricardo Robles, candidato do Bloco à Câmara Municipal de Lisboa. Foto de Paulete Matos.

Ricardo Robles e Sebastian Koch participaram no painel “Cidades partilhadas, gentrificação, turistificação”, no Fórum Socialismo 2017.

Ricardo Robles, candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Lisboa, assinalou que turistificação e gentrificação são dois termos que nos “entraram muito rapidamente pela porta da frente da discussão política e da discussão da cidade”.

Segundo referiu Robles, “as cidades são espaços de conflito, espaços onde, historicamente, o capital encontrou o seu habitat de desenvolvimento”, e foi esta concentração do capital e esta concentração da força de trabalho que foi gerando o espaço urbano "e que depois foi criando contradições entre si que, por sua vez, vão criando estas tensões dentro da cidade”.

O candidato bloquista destacou que é importante perceber que turistificação e gentrificação são conceitos diferentes.

A gentrificação, que implica a substituição de uma população de determinado espaço urbano por outra população com maior capacidade financeira e estatuto social superior, é, segundo Ricardo Robles, “um processo quase tão antigo quanto a cidade”.

O cabeça de lista pelo Bloco ao executivo municipal de Lisboa fez referência a dois processos de gentrificação mais relevantes que se registaram nos últimos 50 anos.

Nos anos 60, com a construção da ponte 25 de Abril, registou-se uma valorização muito acentuada da zona de Alcântara, o que originou “um processo de expulsão da população mais pobre que foi violentíssimo e de grande escala”, sublinhou Ricardo Robles.

O candidato lembrou, inclusive, que, na altura, “quem não protestasse contra a sua expulsão podia levar os escombros das suas casas” e que ainda hoje se encontram, em zonas populares da margem sul, cidadãos mais idosos que são sócios de clubes da zona de Alcântara, de onde eram originários.

Um outro processo de gentrificação surgiu com a preparação da Expo 98, quando se deu um processo de reconversão urbanística de uma zona industrial muito carregada de poluição, que levou a que mais de mil pessoas fossem, simplesmente, deslocadas daquela zona. É sobretudo com estes grandes eventos, com estas obras grandes, com estas obras de regime, que são feitas estas limpezas”, salientou Robles.

Enfatizando que “a capacidade só por si de atrair turistas não causa a gentrificação”, Robles realçou que, nos últimos anos, estamos a assistir, em cidades como Lisboa, Porto, Sintra, “à turistificação como promotor da gentrificação”.

Registando a aceleração intensa dos processos de gentrificação e turistificação, o candidato bloquista afirmou que “não existe em Portugal turismofobia, e ainda bem,”, mas que existem tensões, que precisam de soluções.

Como é que o Governo central tem influenciado estes processos

Conforme referiu Ricardo Robles, o regime dos Vistos Gold, promovido por Paulo Portas, que prevê um tratamento privilegiado aos imigrantes abastados, tem influência nas cidades: “Os Vistos Gold são atribuídos a quem faz um investimento forte de criação de emprego ou, em mais de 90% dos casos, a quem investe em Portugal em mais de meio milhão de euros em imobiliário. Isto tem criado uma pressão brutal na subida dos preços das casas no centro da cidade”, vincou.  

Também o regime fiscal que criou uma espécie de offshore para residentes não habituais, que já vem do executivo de José Sócrates, e que permite, por exemplo, que aposentados de outros países deixem de pagar impostos em Portugal, agudizou a pressão sobre os preços na cidade.

Para Robles, o novo Regime do Arredamento Urbano, da autoria de Assunção Cristas, “é a cereja no topo do bolo”. Esta legislação liberalizou completamente a relação entre inquilinos e senhorios, penalizando e fragilizando os primeiros.

No que se refere ao alojamento local e à hotelaria, o candidato falou ainda da desregulação, através de uma lei do CDS, promovida pelo secretário de Estado Adolfo Mesquita Nunes, que liberalizou totalmente este setor, provocando a transformação do tecido urbano.

Estas medidas compõem “o caldeirão explosivo que conduziu à situação que temos agora”, disse Ricardo Robles.

Como responder à gentrificação e à turistificação em Lisboa

Reconhecendo que o turismo é uma realidade que vai continuar a crescer em Lisboa, nomeadamente com a construção do novo aeroporto, a inauguração do terminal de cruzeiros, e a promoção internacional da cidade, o candidato destacou a importância de saber o que vamos fazer “para preparar a cidade para esse aumento da procura turística”.

Fazendo referência às declarações de Fernando Medina, que afirmou não saber “o que é turismo a mais”, Ricardo Robles vincou que o que é certo é que “a atual escala do turismo está a ter impactos na cidade, que não está preparada para dar resposta”.

De acordo com o candidato bloquista, a autarquia de Lisboa não se tem apresentado como um travão a este processo, e acaba mesmo por promovê-lo, adotando uma política urbanística que desregula e promove a especulação.

Sobre a taxa turística implementada pelo executivo municipal, que estipula que quem visita a cidade deixa um contributo para o município, Ricardo Robles lamentou a perversão da medida por parte de Fernando Medina, que estipulou que a verba arrecadada, de cerca de 15 milhões de euros em 2016, vai para um fundo de desenvolvimento turístico, gerido pelos grandes proprietários hoteleiros.

Robles defendeu que precisamos de regras na hotelaria, no alojamento local, na taxa turística, e que precisamos, sobretudo, de uma política de habitação pública: “Criar condições para que quem tem menos recursos possa continuar a viver em toda a cidade”.

O candidato recordou que ainda existe algum património municipal, que restou da gigantesca venda imobiliária que foi feita em Lisboa - de 480 milhões de euros nos últimos cinco anos - bem como existe património estatal, que podem ser encaminhados para habitação social.

Ricardo Robles enunciou ainda a possibilidade de recorrer à expropriação dos edifícios para garantir o direito fundamental à habitação dos inquilinos, em casos como o das 16 famílias que moram na Rua dos Lagares, na Mouraria, e que estiveram em risco de despejo.

Realçando que é preciso distinguir alojamento local de turismo habitacional, sendo que, este último, implica transformar uma casa num serviço de hotelaria, o candidato afirmou que estas duas realidades têm de ser tratadas de forma diferente. Bem como é importante perceber que as realidades nas diferentes zonas são diversas, estando expostas a uma diferente sobrecarga. Nos locais mais afetados, “é preciso haver limites, haver quotas, por forma a promover uma cidade partilhada”, defendeu, alertando ainda para os casos em que “existe concentração de unidades de alojamento local em determinados proprietários”.

Robles falou ainda sobre a proposta de criação de um gabinete municipal de apoio e fiscalização do turismo habitacional.

Existem interesses de lucro privado que alimentam o processo de gentrificação

Sebastian Koch, secretário do Die Linke de Berlim, falou sobre a situação vivida atualmente na cidade alemã. Para o efeito, deixou alguns factos e números que ajudam a compreender o fenómeno, bem como descreveu como têm tentado lidar com os processos crescentes de gentrificação e turistificação.

Koch assinalou que Berlim, com 891 quilómetros quadrados, tem, neste momento, 3.5 milhões de pessoas, enfrentando um crescimento de mais 50 mil por ano. 86% da população vive em apartamentos arrendados. Mediante o aumento da população, Berlim necessitaria de cerca de 20 mil novos apartamentos para arrendar por ano. “Mas não os temos”, referiu Koch.

O novo Governo berlinense, que tomou posse em dezembro de 2016, e é constituído pelos sociais-democratas (SPD), Die Linke e Verdes, tem procurado enfrentar uma gentrificação e uma turistificação crescentes.

A autarquia berlinense tem apostado também num programa de habitação pública, mediante o alargamento do setor público de habitação, que gere 350 mil apartamentos públicos, num total de 1.9 milhões de apartamentos para arrendar.

O objetivo é aumentar o número de imóveis para 400 mil nos próximos anos, atribuindo mais 100 milhões de euros às empresas nos próximos 5 anos, que lhes permita construir ou comprar novos apartamentos. Koch fez menção aos limites à construção, face à escassez de terrenos públicos.

Restringir as rendas na habitação pública e garantir que o governo tenha direito de preferência na compra de terreno e habitações são outras das medidas implementadas.

No que respeita ao controlo das rendas no privado, é produzido um relatório sobre as rendas cobradas, sendo que está estipulado que um novo contrato não pode exceder em mais de 10% o valor médio das rendas praticadas. Esta medida não tem, no entanto, o efeito desejado, estando em causa no relatório apenas os valores dos últimos 5 anos.

Artigo originalmente publicado, de forma mais desenvolvida, em Esquerda.net a 27 de Agosto, 2017 - 17:10h