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Marvila: empresa continua a tentar despejo de inquilinos após recusa da câmara

Prédio Santos Lima.
Foto esquerda.net.

O prédio Santos Lima, em Marvila, tem-se tornado exemplo icónico dos problemas da habitação em Lisboa. O assédio sobre os moradores para abandonarem os seus apartamentos, numa zona em gentrificação, ultrapassou o nível habitual em Lisboa, já de si abusivo, e chegou inclusive à imprensa internacional — o jornal Guardian dedicou-lhe um artigo em outubro do ano passado. A Câmara de Lisboa intimou entretanto o proprietário a realizar obras sem despejar os moradores, mas este procurou impugnar a decisão e vender o prédio entretanto, revela uma reportagem do site O Corvo.

A história do Santos Lima é emblemática das dinâmicas imobiliárias de Lisboa também pelas transações que envolve. O prédio, construído no final do século XIX, tinha tido obras pela última vez em 1975. Em outubro de 2017, foi vendido por 2,7 milhões de euros pela empresa North Atlantic Trading Company aos atuais proprietários, as empresas Buy2Sale e Preciousgravity Lda. Um mês depois, estas puseram o mesmo prédio à venda, inalterado, pelo triplo do valor (7,2 milhões), promovendo-o em anúncios como devoluto e uma oportunidade ideal para transformação em aparthotel ou escritórios. Entretanto, os inquilinos começaram a receber cartas informando da intenção de não renovar o contrato, mas recusaram.

Ao longo do ano passado, sucederam-se manobras intimidatórias dos proprietários para forçar os inquilinos a abandonar o prédio. Alguns foram cedendo, restando hoje 17 nas 42 frações do prédio, a maioria idosos com poucos recursos económicos. Em julho de 2018, receberam uma carta a pedir-lhes para sair porque o prédio seria demolido. Segundo afirmou ao Corvo Eduardo Rodrigues, inquilino que tem representado os moradores do prédio, "disseram-nos que a Câmara de Lisboa iria fazer uma vistoria a garantir o perigo de derrocada do prédio, mas isto foi mais uma estratégia para nos tirarem daqui".

A câmara veio de facto a realizar uma vistoria a 10 de Agosto de 2018, onde confirmou a degradação do prédio. Mas concluiu no relatório da vistoria que as "obras de manutenção e reabilitação do prédio não implicam desocupação ou despejo”, condenando ainda a realização de obras nas frações entretanto vazias, “não licenciadas e em violação de normas legais e regulamentares”. Referia ainda que, caso o proprietário persistisse na sua conduta, a CML poderia tomar administrativamente o edifício.

Mas a intenção do proprietário foi sempre vender o edifício vazio, e assim continua. A Buy2Sale tentou impugnar a vistoria alegando que não tinha intenção de realizar as obras a que foi obrigada. A câmara recusou a impugnação, argumentando que a empresa nem obteve acordo com os moradores, nem ofereceu qualquer solução para os realojar. Sugeriu como solução que coloque os moradores nas frações já reabilitadas e faça as obras nas restantes, podendo os moradores regressar no final aos seus apartamento. O impasse prossegue, pois a Buy2Sale continua a recusar qualquer solução que garanta a manutenção dos moradores.

Em dezembro passado, uma delegação do Bloco visitou o prédio Santos Lima. Catarina Martins apelou na altura a entendimentos à esquerda para “conseguir proteger quem paga a sua renda, quem trabalha tanto, quem quer ter a sua casa e se esforça tanto para a ter e tem direito”. Em dezembro do ano passado foi aprovada uma proposta de lei que impedia o despejo de arrendatários com 65 anos ou mais, e há duas semanas entrou em vigor a lei proposta pelo Bloco que pune o assédio no arrendamento ou subarrendamento. Apesar destas medidas, os moradores do Santos Lima continuam a sentir-se ameaçados e pretendem pressionar a câmara a assumir a administração do edifício.

Artigo originalmente publicado no Esquerda.net, 27 de Fevereiro, 2019 - 15:36h