CRIA O PROGRAMA DE APOIO À REABILITAÇÃO URBANA E A BOLSA DE HABITAÇÃO PARA ARRENDAMENTO
Como bem expressam os estudos de apoio à elaboração do Plano Estratégico de Habitação, a “dinâmica do parque habitacional português caracteriza-se fundamentalmente por um elevado ritmo construtivo, uma percentagem crescente de ocupantes proprietários a par de uma fraca dinâmica do mercado do arrendamento ou uma percentagem elevada de fogos vagos, dos quais um peso significativo se encontra em estado de degradação”.
Nos últimos quarenta anos assistimos a um ritmo fortíssimo de crescimento do parque habitacional. Cerca de 63% dos alojamentos foram construídos entre 1971 e 2001, assumindo um valor sempre superior ao aumento do número de famílias residentes: em 2001 existiam, em média, 1.4 alojamentos por família.
Entre 1990 e 2005, entre 75% a 85% dos fogos concluídos para habitação referem-se a construções novas, assumido em 2005 um valor de 93%. Estes dados mostram a insipiência do segmento de reabilitação em Portugal, ao contrário do que se passa na maioria dos países europeus onde o peso da nova construção tem vindo, gradualmente, a diminuir a favor da recuperação do edificado. Até ao ano de 2000 a reabilitação de fogos para habitação não ultrapassou os 4% dos fogos intervencionados, tendo aumentado para os 7% em 2005.
Combater a degradação do edificado
Existem cerca de 1,6 milhões fogos a necessitar de pequenas e médias reparações e 326 mil fogos muito degradados ou a precisar de grandes reparações, representando cerca de 33% e 8%, respectivamente, do total do edificado. Do parque degradado apenas 57% é de residência habitual (representam 38% dos alojamentos clássicos), enquanto 1/3 está vago e 12% é residência sazonal.
A necessidade de reabilitar o edificado existente é grande, especialmente nos centros históricos das cidades onde a degradação física é mais evidente. Em Lisboa e Porto cerca de metade do parque habitacional (52%-53%) necessita de intervenção de reabilitação física.
A aposta na nova construção ao invés da reabilitação urbana tem significado o aumento dos fogos devolutos, os quais representam uma fracção muito significativa do parque habitacional. Cerca de 54% dos alojamentos vagos (291.453 fogos) necessitam de algum tipo de reparações: 18,4% encontram-se em estado avançado de degradação e 35,1% carecem de pequenas e médias reparações.
É urgente reabilitar estes fogos e colocá-los disponíveis para habitação, contrariando o facto de apenas 34,1% (185.509 fogos) do total dos alojamentos vagos estarem no mercado de venda ou arrendamento, o que significa que os restantes estão a degradar-se e a especular o preço das habitações, diminuindo o rendimento disponível das famílias.
Ao mesmo tempo que se constroem novas casas a um ritmo elevado e crescem os fogos devolutos, as carências habitacionais permanecem graves. A necessidade quantitativa de habitação é inferior às casas vazias disponíveis no mercado: ou seja, haveria materialmente casas para todos se o bem de todos fosse a prioridade da política de habitação. Do ponto de vista qualitativo há cerca de um milhão de alojamentos que estão degradados, sobrelotados, sem infra-estruturas básicas, com necessidade de obras e reabilitação: quem mais sofre com esta degradação são os mais pobres.
Todos estes resultados mostram claramente que Portugal constrói demais, deixa degradar as habitações existentes e alimenta o crescimento das casas devolutas, ao mesmo tempo que permanecem graves carências habitacionais por resolver, afectando especialmente as famílias mais pobres e vulneráveis.
Existe, portanto, um grave desfasamento entre a oferta potencial e as necessidades de habitação, para além de existir um forte enviesamento da oferta a favor da construção de novas habitações em detrimento da requalificação.
Esta situação tem sido responsável por encher o país de betão e casas sem que se resolva o problema das carências habitacionais em termos quantitativos e qualitativos, como pela construção desordenada no território e degradação da qualidade de vida das cidades. Esta é a lógica que tem contribuído para empurrar as populações para as periferias, sobretudo as mais pobres, enquanto os centros históricos esvaziam-se de pessoas e envelhecem, a que se associa o aumento das necessidades de mobilidade, infra-estruturas e equipamentos numa lógica onerosa para os orçamentos públicos e familiares.
Inverter a insipiência do mercado de arrendamento
Ao mesmo tempo que se constrói de mais e permanece uma bolsa significativa de casas vazias, Portugal resolveu tratar do problema da habitação por via da aquisição de habitação e do crédito, transformando-nos num país de proprietários: em 2001, 76% do total de alojamentos eram propriedade do ocupante (face a 57% em 1981), enquanto apenas 21% se destinou ao arrendamento privado (face a 39% em 1981) e 3,3% ao arrendamento social (cerca de metade das médias europeias).
O sonho que nos venderam parece um pesadelo: todos somos proprietários, mas pobres ao mesmo tempo. O país dos proprietários é o país do endividamento das famílias, do seu empobrecimento real, da sua dependência ao sistema financeiro, do aumento exponencial do preço dos imóveis: em 20 anos, desde 1988, o valor das habitações registou um crescimento de 208%. As famílias com encargos relativos à habitação não param de crescer: 80% das dívidas das famílias ao sistema financeiro relacionam-se com a habitação.
O rácio de endividamento dos particulares, muito em particular o de endividamento para aquisição de habitação, tem aumentado de forma sustentada desde 1980, culminando, em 2008, com um stock de dívida que representava 135% do rendimento disponível dos particulares (correspondia a 69% em 1997). Portugal encontra-se, assim, entre os países da UE-15 com maior peso do endividamento dos particulares no PIB, assumindo o valor de 96% em 2008 (correspondia a 42% em 1997).
O país dos proprietários endividados é o país do falhanço e da ausência de uma política pública de habitação que aposte na reabilitação urbana, na dinamização do mercado de arrendamento e na habitação social.
O reduzido número de casas disponíveis para arrendamento penaliza sobretudo os mais pobres, os mais jovens e os idosos. Apesar dos encargos mensais para as famílias em situação de aluguer ser bastante inferior para as famílias em propriedade (9,3% e 32,3% do seu rendimento, respectivamente), em especial para as famílias pobres (14,5% e 66,2%, o que é muito elevado), verifica-se que as famílias com menores rendimentos apresentam um número elevado de acesso à propriedade (78,1% face aos 73,4% da média nacional), quase 20% acima da média europeia (58,3%). Também nos casais jovens e de idosos o pagamento da casa é superior às médias da população, inversamente ao que sucede nos restantes países europeus.
Como refere o estudo de diagnóstico elaborado no âmbito do Plano Estratégico de Habitação, numa “população com menores rendimentos seria natural a procura de habitações em regime de aluguer que permitissem taxas de despesa em habitação menores do que no acesso à propriedade. A questão que se coloca em Portugal é menos a da acessibilidade das rendas, do que a acessibilidade quantitativa de disponibilidade do alojamento em arrendamento. De facto, no contexto europeu, o número de alojamentos em regime de arrendamento é bem superior ao número disponibilizado em Portugal. (…) Mas é preciso considerar que essa acessibilidade [das rendas] se faz à custa do mercado privado pois no mercado social, a situação inverte-se: o acesso à habitação em arrendamento social acessível existe para 26,8% dos agregados pobres e para 54,7% dos agregados pobres europeus. Ao contrário do que acontece na Europa, onde o aluguer no parque público é o tipo de acesso mais fácil para populações pobres, em Portugal é o sector privado que oferece três de cada quatro habitações acessíveis em regime de arrendamento, enquanto a oferta pública é metade da oferta pública europeia”.
Existe, portanto, uma dificuldade real no acesso à habitação por falta de casas para arrendamento, o que representa um encargo muito pesado entre certos grupos com necessidades especiais (população idosa de baixos rendimentos, deficientes) e entre os mais vulneráveis (população com habilitações mais baixas, desempregados). Numa situação de grave crise social como a que enfrentamos hoje, é fundamental responder a este problema, dinamizando o mercado de arrendamento a preços acessíveis.
Dar prioridade à reabilitação urbana e promover o arrendamento
Como refere o estudo de diagnóstico realizado no âmbito da Estratégia Nacional de Habitação, a reabilitação urbana tem assumido, no contexto europeu, uma “importância relevante como vector da gestão do território, contribuindo de forma decisiva para a competitividade local (via melhoria da coesão económica e social dos territórios-alvo), sendo o Estado, na maior parte dos países europeus, o principal agente (facilitador/executor/regulamentador) deste segmento da construção civil”.
À semelhança do que acontece na maioria dos países europeus, Portugal precisa de assumir a reabilitação urbana como uma prioridade ao nível das políticas de habitação e dos programas de investimento público.
Esta questão é ainda mais importante quando vivemos uma grave situação de crise económica e social que se reflecte numa elevada taxa de desemprego e aumento das situações de pobreza, considerando o efeito multiplicador imediato que o investimento em reabilitação traz ao nível da criação de emprego no curto prazo e dinamização das actividades económicas de proximidade, ao contrário das grandes obras públicas que só têm impactes no médio/longo prazo.
Associado a medidas de dinamização do mercado de arrendamento e combate aos fogos devolutos através da penalização fiscal, desincentivando a sua retenção especulativa ou abandono e degradação, este investimento na reabilitação permite também reduzir o preço da habitação e, portanto, aumentar o rendimento disponível das famílias e contrariar o seu crescente endividamento ao sistema financeiro com os gastos de habitação. Além disso, a recuperação dos centros urbanos, onde o nível de degradação é mais evidente, contribui para rejuvenescer as cidades e conferir-lhes maior atractividade, reduzir os movimentos pendulares de transporte e combater a segmentação social entre centro e periferia.
O Bloco de Esquerda coloca a reabilitação urbana no centro da sua política de habitação, mas também para a recuperação económica e criação de emprego no curto prazo. Propomos, assim, um Programa de Apoio à Reabilitação Urbana (PARU) para a recuperação de 200 mil habitações até 2015, com o recurso a mecanismos de financiamento público de apoio a particulares e Câmaras Municipais nas suas responsabilidades de reabilitação do edificado.
Com este investimento público estaremos a responder à crise com a criação estimada de 60 mil postos de trabalho directos e muitos outros milhares indirectos, assumindo um impacto de reanimação da economia bastante relevante.
O PARU prevê três mecanismos de financiamento público: uma linha de crédito bonificada destinada a particulares, um programa de comparticipação a particulares para pequenas obras de recuperação e um programa de comparticipação a Câmaras Municipais para execução de obras coercivas quando os proprietários não podem ou não querem cumprir o seu dever de reabilitar.
As casas reabilitadas com apoio do PNRU integram uma Bolsa de Habitação para Arrendamento, o que irá, a par da inclusão dos fogos desocupados pertencentes ao património municipal ou inscritos voluntariamente pelos seus proprietários, como alternativa à penalização fiscal progressiva do IMI, permitir colocar mais casas disponíveis para arrendamento a preços acessíveis.
A inclusão dos imóveis recuperados na Bolsa, além de ser uma contrapartida social que os proprietários dos imóveis dão por beneficiarem de apoios públicos, permite ainda a recuperação do investimento público realizado de forma gradual e compatível com a capacidade financeira dos beneficiários. Esta é também a forma de garantir a continuidade do PARU de forma eficiente ao longo dos anos, tanto em termos de equilíbrio do investimento público como da concretização de uma política de habitação e de ordenamento do território responsável.
A criação da Bolsa de Habitação para Arrendamento irá permitir responder às graves carências habitacionais ainda existentes, estimadas em cerca de 200 mil fogos, tendo em conta as “características do parque habitacional a partir das dimensões que se consideram geralmente como carências ´quantitativas´ de alojamento, integrando a sobrelotação e as famílias alojadas em situação precária”, de acordo com o estudo de diagnóstico realizado no âmbito do Plano Estratégico de Habitação. Tem também o efeito associado de reduzir o preço das habitações e dar alternativa à aquisição de casa própria, responsável pelo elevado endividamento das famílias ao sistema financeiro, o que numa situação de grave crise social é uma medida de extrema importância.
Ver documento de Projecto-Lei em anexo.
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