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O Conservatório não desiste!

Situada no topo do Bairro Alto, a Escola de Música do Conservatório Nacional (EMCN), palco de passagem para figuras incontornáveis da música e cultura portuguesas, tais como Maria João Pires, António Victorino d’Almeida, Fernando Lopes-Graça e Rui Vieira Nery, entre muitos outros, é hoje o epicentro de uma fervorosa série de protestos.

As extremamente precárias condições de preservação do edifício que alberga a escola de ensino artístico, denunciadas desde há muitos anos, resultaram na queda de vários tetos e no encerramento de 10 salas, por ordem da Câmara Municipal de Lisboa. Há quem veja as fotos publicadas e pense que se está a falar de um edifício abandonado. O Conservatório Nacional, com a última recuperação estrutural datada de há já quase 70 anos, está num estado deplorável.

Estudei no Conservatório. Apesar da curta passagem, já frequentava as instalações da escola antes de lá estudar e continuei a fazê-lo mesmo após ter terminado os estudos. É assim o Conservatório, mais do que uma escola, é também um espaço de cultura e de espetáculo, de apresentações públicas da arte que lá dentro se cria e da arte que chama para o seu interior. Mas tudo isto embate na degradação colossal do edifício. Exemplos deste abandono são as extensas infiltrações, as paredes bolorentas e os tetos em iminente risco de colapso. Situações que, para além de atentarem contra a qualidade do ensino, colocam diariamente em risco a integridade física dos cerca de 900 alunos e 180 professores e funcionários que habitam esta escola.

Nas últimas semanas, com uma surpreendente força de mobilização, toda a comunidade escolar, desde a Direção da Escola às Associações de Pais e de Estudantes, tem vindo a dinamizar diversas ações de contestação e de solidariedade pela recuperação das instalações do Conservatório. Os protestos resultaram já numa importante mas insatisfatória vitória para o movimento, que obteve a garantia por parte da DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) de que seriam disponibilizados os fundos necessários à realização das “intervenções mais urgentes”. No entanto, e tal como foi referido pela Diretora da Escola, Ana Mafalda Pernão, é evidente que estas obras não passam de “remendos” que em muito pouco resolvem os problemas estruturais do edifício.

É inspirador ver como o ímpeto da mobilização não foi praticamente afetado por esta “pequena vitória”. Muitas vezes, ludibriados por cedências parciais, os movimentos sociais fraturam-se e perdem o seu poder reivindicativo. Felizmente, o Conservatório Nacional não desistiu e as mais recentes ações, que incluem o lançamento de duas petições on-line, concertos de protesto e uma grande “Marcha Musical” no dia 14 de Março, visam obter garantias sólidas por parte do Ministro da Educação Nuno Crato, que continua a recusar abrir as portas do seu gabinete aos representantes do movimento e que tarda em apresentar soluções de fundo para o grave estado de degradação do edifício.

A luta pela requalificação desta escola, que em 2015 comemora 180 anos de existência, vai muito além das fronteiras do próprio Conservatório. Num país onde a Cultura tem sido repetidamente relegada para 2º ou 3º plano por vários governos da República e onde tem havido ataques duríssimos à formação artística especializada, esta é também uma luta pelo reconhecimento de todo o setor cultural do país e do seu imprescindível contributo para a construção de uma sociedade democrática, próspera e avançada. Em pleno século XXI, não há a menor dúvida que de um país que não presta atenção à sua Cultura é um país que não tem futuro.

Por tudo isto, é agora o momento para denunciar a cínica falta de vontade política que se esconde por detrás das habituais desculpas de ordem orçamental e burocrática. Por tudo isto, é agora o momento para defender a escola em que, como canta o Hino da EMCN composto durante os protestos, “a diferença é um bem apreciado” e que “dá asas a cada aluno p’ra voar sem ser travado”.

Afonso Moreira